Responsabilidade civil do Estado por assaltos em escolas públicas
Walmir Brelaz
advogado do Sintepp
“Onde já se viu uma
escola ser assaltada?” Questionou, incrédula, Ana Santana ao saber que a escola
de seus filhos, “Professora Terezinha Souza”, havia sido invadida por três
homens, que aterrorizaram e assaltaram alunos, professores e outros
funcionários. E de forma coerente discursou: “a gente tem na cabeça que a
escola é o lugar mais seguro para nossos filhos ficarem, mas acontece um caso
como esse e você percebe que os bons costumes já não valem mais nada,
principalmente por causa da violência”.[1]
Tem razão a
senhora Ana, já que especialistas em segurança pública apontam a educação como
o principal instrumento de combate preventivo a toda forma de violência.
No entanto, não é dessa
forma que parece pensar o atual governo estadual. Na Mensagem 2016 remetida ao
Poder Legislativo no início deste ano, ao tratar da segurança pública, o
Governador Simão Jatene tomou como parâmetro de comparação com a gestão anterior
a quantidade de delegacias, de frota de veículos, disponibilidade de armamentos
e até fardamento e rancho. E seguiu dizendo que criou as Unidades Integradas Pro Paz (UIPP) e que está
substituindo as velhas delegacias, bem como promovendo a abertura de quase 700
vagas no sistema prisional.[2]
São medidas que,
embora providas de certa relevância, possuem caráter preponderantemente
repressivo.
A violência no
Pará, estado apontado como um dos mais violentos do Brasil, é algo
aterrorizante. E as escolas, de onde
deveriam sair a solução mais eficiente de combate contra a insegurança, estão
sendo literalmente invadidas por agentes da criminalidade.
Nos últimos meses,
diversas escolas públicas estaduais e municipais foram invadidas por
criminosos. De maneira geral o modo de agir se assemelha: pessoas armadas e
violentas, ofendem e agridem servidores e alunos, em seguida fogem levando
objetos das vítimas e as deixando em desespero e traumatizadas por dias, meses
e até por toda a vida. E normalmente as escolas já haviam sofrido outros
assaltos.
No dia 27 de outubro de 2015, a Escola Estadual Professora Lucy Corrêa
de Araújo, localizada no bairro do Coqueiro, em Ananindeua, foi vítima de um
arrastão. “Quatro pessoas entraram na turma
3003 e assaltaram a professora e os alunos. Houve pânico e correria, fazendo
com que outra professora acabasse caindo e se machucando durante o tumulto.
Dois assaltos no mesmo dia”, desabafou o estudante Maciel Soares.[3]
Em 11 de novembro de 2015, assaltantes
invadiram a Escola Estadual Professora Ducilla
Almeida do Nascimento, no Município de Altamira. “Eles ameaçaram pais e
estudantes que estavam no local para uma reunião. Segundo um funcionário, os
homens chegaram a atirar para cima e houve pânico”.[4]
Em 11 de novembro de 2015, assaltantes
invadiram a Escola Estadual Professora Ducilla
Almeida do Nascimento, no Município de Altamira. “Eles ameaçaram pais e
estudantes que estavam no local para uma reunião. Segundo um funcionário, os
homens chegaram a atirar para cima e houve pânico”.[4]
No dia 26 de novembro de 2015 a Escola Estadual Professor Antônio Gondim Lins, em Ananindeua, foi alvo
da ação de assaltantes. “Segundo testemunhas, dois homens armados invadiram a
escola pulando o muro da instituição, renderam alunos e professores e lhe
roubaram os pertences”.[5]
No dia 04 de
fevereiro de 2016,
na Escola Municipal Professora Terezinha Souza, em Ananindeua, três homens invadiram o local e aterrorizaram alunos, professores
e outros profissionais, em mais um sinal da violência sem fim vivida no Pará.
Em
06 de fevereiro de 2016 foi a vez da
Unidade de Ensino Infantil Jaime da
Costa Teixeira, em Belém, que atende a crianças de 1 a 5 anos. Dois homens
e uma mulher armados com um revólver, aproveitaram a forte chuva que caía e
pularam o muro da Unidade de Ensino. “Os bandidos seguiram direto para a cozinha,
onde renderam as serventes e as obrigaram a abrir os armários, de onde roubaram
todas as facas, além de pertences pessoais, como celulares e cordões. Foram
roubados bolsas, notebooks, documentos pessoais, entre outros objetos, diante
das crianças assustadas”.[6]
Em
16 de fevereiro de 2016 a assaltada
foi a Escola Estadual Elcione Barbalho, em Castanhal. Seis pivetes com
facas invadiram a escola e sob grave ameaça roubaram vários aparelhos celulares
de alunos e professores. “Fiquei com muito medo. Eles diziam que iam nos matar
se não entregássemos nossos celulares”, contou um dos alunos.[7]
Esse quadro infeliz de insegurança pública é uma realidade que
demonstra objetivamente o fracasso do Poder Público no combate à violência, mas
não podemos encará-lo como algo natural. A inércia diante desse caos pode nos
tornar em seus cúmplices.
Por assim entender, a assessoria jurídica do Sintepp irá ingressar
com ações de indenização por danos matérias e morais em nome de professores
e/ou demais servidores da educação que foram vítimas desses atos criminosos. As
pessoas que cometeram o crime devem responder penalmente por seus atos. Todavia, o Poder Público - Estado e
municípios – deve ser responsabilizado civilmente pelos danos causados às
vítimas.
E a primeira ação será proposta nesta segunda-feira (29). Em nome
de uma professora vítima do assalto na escola Escola
Municipal Professora Terezinha Souza, em Belém.
A
professora estava ministrando aula quando foi surpreendida por dois bandidos
armados. Ao gritar, teve a boca tapada e com o revólver encostado em sua
cabeça chegou a levar uma coronhada. Pegaram seu celular, arrancaram seu
relógio e um cordão dourados. Antes de saírem da sala, um dos assaltantes
apontou a arma na testa da autora e a ameaçou gritando: “se tu deixares algum moleque sair da sala eu volto aqui e dou um tiro
no meio da tua testa”.
Após esse evento criminoso, por questões óbvias, a professora passou a sofrer abalo psicológico e físico, sendo acompanhada até hoje por médicos e se mantendo sob fortes medicamentos. E já tendo retornado ao trabalho, uma vez que não conseguiu obter licença médica.
Após esse evento criminoso, por questões óbvias, a professora passou a sofrer abalo psicológico e físico, sendo acompanhada até hoje por médicos e se mantendo sob fortes medicamentos. E já tendo retornado ao trabalho, uma vez que não conseguiu obter licença médica.
No
âmbito da responsabilidade civil do Estado, juridicamente o Brasil adotou, em
tese, a responsabilidade objetiva, fundamentada na teoria do risco
administrativo, no qual o Estado é obrigado a reparar o dano causado por seus
agentes a terceiros. Assim, além de considerá-lo civilmente responsável, ainda
afasta o elemento culpa como condição para obrigá-lo a responder civilmente
pelo dano decorrente da atividade administrativa.
O fato é que a responsabilidade civil do Estado percorreu
extenso processo histórico para ser constituída formalmente como se encontra em
nosso ordenamento jurídico e, ao que se observa, ainda está em processo de
evolução, conforme se verifica através da doutrina e, principalmente, de
decisões judiciais.
No Brasil, a responsabilidade civil do Estado sempre esteve
presente, sendo, porém, claramente expressa com a Constituição de 1946, ao
afirmar que "as pessoas jurídicas de direito público interno são
civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade,
causem a terceiros” (art. 194).
A teoria da responsabilidade objetiva está incorporada em
nosso ordenamento jurídico, através do art. 37, § 6º da Constituição Federal.[8]
Com base nesse dispositivo, para se imputar ao Estado o dever de reparar o dano
causado por seu agente, basta que se demonstre o chamado nexo de causalidade,
que é a “causação de um dano e a imputação deste a um comportamento
omissivo ou comissivo" do Estado;[9]
"não se cogita de culpa da administração ou de seus agentes, bastando que
a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do
poder público”.[10]
Por outro lado, como nos ensina o
professor Rui Stoco, “se o prejuízo adveio de uma omissão do estado, ou
seja, pelo não funcionamento do serviço, ou seu funcionamento tardio, deficiente
ou insuficiente, invoca-se a teoria da responsabilidade subjetiva”.[11]
Ou, a depender do caso concreto, da teoria objetiva por omissão.
No caso em análise, os servidores sofreram danos materiais e
morais nas dependências e um prédio público, em decorrência no não
funcionamento do serviço de segurança pública. E mais grave: dentro de uma
escola onde trabalham. Constitui-se uma
obrigação do Poder Público – Estado e municípios - dar o mínimo de segurança a
todos que ali permanecem, servidores e alunos.
No tocante a segurança no trabalho que
deve ser garantida ao servidor público, destaca-se o direito do mesmo,
inclusive, não trabalhar em ambiente que ofereça eminente perigo de vida (§ 4º,
art. 5º da Constituição Estadual). E o dever do Estado assegurar aos servidores
públicos “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança” (art. 31, XV).
A Lei nº 7442/2010, que dispõe sobre o PCCR dos profissionais da
educação do Pará, por exemplo, adotou como instrumento de valorização desses
servidores a profissionalização, que deve ser assegurada através, também, de
“condições adequadas de trabalho” (art. 3º, II).
O ato gravoso que se submeteram os servidores
em seu local de trabalho lhes causa visíveis danos morais, além dos evidentes
danos materiais.
Os danos morais se fundamentam em decorrência de toda a
humilhação e trauma vivenciados pelas vítimas, pois, “se um ato ilícito simultaneamente
produz dano moral e dano patrimonial, dupla deve ser a indenização, já que o
fato gerador teve duplos efeitos”.[12]
Felizmente, não se questiona mais a possibilidade do dano moral ser ou não
ressarcido.
Ingressar com ações judiciais visando a reparação material e moral
ao servidor vitimado, certamente não irá trazer solução definitiva para o
crônico e anacrônico problema da violência no Estado do Pará, entretanto, ao
menos será uma forma de não silenciar diante de tamanha barbaridade, além de identificar
e exigir reparação dos danos aos seus responsáveis.
____________________________________________
Os(as) servidores interessados em ingressar com ações judicias contra o Poder Público devem procurar a Ajur-Sintepp: sintepp.aj@gmail.com
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Atualizado em 29/02/2016 - 16:09
AÇÃO PROTOCOLADA:
[1] DOL:
http://mobi.diarioonline.com.br/noticias/policia/noticia-358385-clima-em-escola-assaltada-ainda-e-de-medo.html
Diário do Pará.
[2] Mensagem do Governo do Pará à
Assembleia Legislativa Ano 2016, p. 17/18.
[3]
DOL: http://mobi.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-348818-alunos-sao-alvos-de-arrastao-em-escola-no-coqueiro.html
[4]G1:
http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2015/11/assaltantes-invadem-escola-estadual-em-altamira-no-sudoeste-do-pa.html
[5]
G1: http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2015/11/escola-e-invadida-por-assaltantes-em-ananindeua.html
[6] DOL:
http://mobi.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-358378-bandidos-invadem-e-assaltam-escola-infantil.html
[7] Rota
Castanhal: http://rotacastanhal.blogspot.com.br/2016/02/mais-uma-escola-e-assaltada-em-castanhal.html
[8]
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa”.
[9] Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. COMENTÁRIOS A
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL - ED. SARAIVA.
[10]
Ibdi, p. 171.
[11]
STOCO, Rui.
Tratado de Responsabilidade Civil, Editora Revista dos Tribunais, São
Paulo, 2001, p. 93.
[12] Arnaldo Marmit. PERDAS
E DANOS - 2ª ed. Aide.