A assessoria jurídica
do Sintepp protocolou, dia 09/10, defesas em nome de quatro professores* na DENÚNCIA
que o Ministério Público do Pará propôs por
suposta prática dos crimes previstos no art. 163, parágrafo único, inciso III (dano
qualificado), art. 148, caput (cárcere privado), art. 329, caput (resistência) e art. 330, caput (desobediência, art. 330).
SÍNTESE DA DENÚNCIA:
Em sua denúncia, o MPE informa que o
Sintepp convocou professores em greve para realizarem “marcha pela educação”. E
que ao passarem na frente do prédio do Centro Integrado de Governo (CIG),
pertencente ao Governo do Estado, “um
grupo de professores grevistas arrombou e danificou o portão e cancela de
acesso” desse prédio público.
Que após 24 horas de ocupação, no dia
13/05/2015, os professores receberam de dois oficiais de justiça ordem judicial
de reintegração de posse do prédio público, “mas, após deliberação coletiva,
negaram-se a obedecê-la e, portanto, mantiveram a ocupação do espaço, que era
composto pelo estacionamento e pelo “hall” do prédio, até que fossem recebidos
por representante do Governo para retomada das negociações referentes às
reivindicações grevistas” (fl. 05). Registrando que a ocupação se encerrou na
noite do dia seguinte, 14/05/2015.
E que há no processo laudo de perícias
que comprovam o dano sofrido pelo portão e cancela de acesso do prédio do CIG.
E que algumas testemunhas afirmaram que
os professores denunciados comandaram a invasão do prédio com violência e
gritaria. A participação dos líderes do Sintepp no evento delituoso afirmada
pelas testemunhas é corroborada pelas fotografias vistas nas cópias de
reportagens sobre o evento.
Que servidores lotados no CIG foram
mantidos dentro do prédio desde a hora da invasão (10:30) até as 12hs, quando
foram liberados para sair a pé. A saída dos servidores que estavam de carro só
foi autorizada após às 14hs.
Dessa forma, entende o MPE que a
materialidade e autoria dos delitos estão demonstradas nos autos do inquérito
policial pelos depoimentos das testemunhas, pelo interrogatório dos
denunciados, pelo laudo de perícia de levantamento de local de crime contra o
patrimônio e pelas cópias de reportagens
juntadas aos autos do inquérito policial.
No dia 15/09/2015 o juiz Altemar da Silva Paes, da 1ª Vara Criminal
de Belém, resolveu RECEBER a denúncia “por estarem
presentes os pressupostos processuais e as condições para o regular exercício
da ação em relação ao(s) crime(s), haja vista preencher os requisitos do art.
41 do CPB, bem como restarem demonstrados os indícios de autoria e
materialidade”, determinando
a citações dos professores para apresentar defesas.
SÍNTESE DAS DEFESAS:
Ausência da individualização da conduta – cerceamento de
defesa
Facilmente pode ser observado com a simples
leitura da peça de denúncia que não há, em momento algum, a descrição das
condutas individualizadas do denunciado sobre as supostas práticas dos crimes
que lhes estão sendo imputados.
Constam apenas imputações de maneira
genérica:
- “Um grupo de professores arrombou e danificou o portão e cancela de
acesso ...”
- “Após o arrombamento, aos gritos, o grupo invadiu o prédio daquele órgão
...”
- “Após vinte e quatro horas de
ocupação ... os professores receberam
dos oficiais de justiça ..., mas após decisão coletiva, negaram a obedece-la ...”
- “As testemunhas ouvidas em se
policial ... afirmaram que os denunciados
comandaram a invasão do prédio com violência e gritaria ...”
- “A participação dos líderes do SINTEPP no evento delituoso
afirmadas pelas testemunhas ...”
Após informar que os denunciados negaram
a autoria dos crimes, o Ministério Público ‘constatou” que a materialidade e autoria do delito estão
demonstradas nos autos do inquérito policial pelo depoimento das testemunhas,
pelo interrogatório dos denunciados, pelo laudo de perícia de levantamento de
local de crime contra o patrimônio e pelas cópias de reportagens fartamente
juntadas aos autos do inquérito policial.
E assim conclui: “encontra-se o
denunciado (sic) incurso nas sanções punitivas do art. 163, parágrafo único,
inciso III, art, 148, caput, art.
329, caput, e art. 330, caput, todos do Código Penal
Brasileiro”.
Sabe-se que a ausência da tipificação da conduta dos denunciados acarreta,
indiscutivelmente, a inépcia da Denúncia, por não preencher os requisitos
previstos no art. 41 do CPP, que exige “a exposição do fato criminoso, com
todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos
pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando
necessário, o rol das testemunhas”.
Trata-se de entendimento pacificado no
âmbito do Poder Judiciário, que ao observar a ausência dos requisitos
necessários de uma denúncia, decreta imediatamente a sua inépcia, o que se
exemplifica com decisão abaixo transcrita, oriunda do Colendo Superior Tribunal
de Justiça:
OCORRÊNCIA.
NARRATIVA INSUFICIENTE DOS FATOS. 2.
RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA. OCORRÊNCIA. CONTAS REJEITADAS PELO TRIBUNAL DE
CONTAS DO ESTADO. IRRELEVÂNCIA. NECESSIDADE
DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA. 3. ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR A DENÚNCIA.
1. É inepta a denúncia que não descreve o fato delituoso em
todas as suas circunstâncias.
(...)
3.
Ordem concedida para anular a denúncia. (Sem grifos no original)
(HC
48.700/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
04.10.2007, DJ 25.02.2008 p. 361).
No mesmo sentido tem se manifestado o STF:
OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA
JURIDICAMENTE APTA. - O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a
natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua
estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado "reato
societario", a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa,
objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática
delituosa. - O ordenamento
positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos
vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado
essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do "due
process of law" (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais
genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem
especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado.
Precedentes. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA
COM BASE EM DENÚNCIA INEPTA.
(...) Denúncia que
deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada
agente aos eventos delituosos qualifica-se como denúncia inepta.
Precedentes.
Individualização da conduta inclusive em delitos coletivos
Decidiu a Quinta Turma
do Superior Tribunal de Justiça
denegar a ordem nos autos do HC 159.295/RS, considerando que “diante
da pluralidade de delitos supostamente praticados por vários agentes, seria
tarefa por demais dificultosa, senão impossível, a descrição exaustiva e
milimétrica das condutas perpetradas por cada réu, ocasionando intransponível
obstáculo à deflagração da ação penal, o que acabaria por culminar não só em
impunidade como também em odioso incentivo às práticas criminosas”.
Todavia, essa decisão
foi reformada pelo Supremo Tribunal
Federal, nos autos do processo de HABEAS CORPUS 113.386 – RS, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes,
uma vez que:
3. A peça
acusatória não observou os requisitos que poderiam oferecer substrato a uma
persecução criminal minimamente aceitável. Precário atendimento dos requisitos
do art. 41 do CPP. 4. Violação dos princípios constitucionais do contraditório,
da ampla defesa e da dignidade da pessoa humana. Precedentes. 5. Ordem
concedida para que seja trancada a ação penal instaurada contra o paciente.
A questão é que mesmo
em delitos cometidos de forma coletiva, que
pressupõe a existência de condutas homogêneas, há necessidade de um mínimo de
individualização de condutas, o que deve ser analisado em cada caso concreto.
Na presente
denúncia, como já citado, não há qualquer menção concreta individualizada sobre
as condutas delituosas praticadas pelo denunciado.
De
que forma destruiu, inutilizou ou deteriorou o prédio público (dano qualificado, art. 163)?
Como manteve presos outros servidores (sequestro
e cárcere privado, art. 148)? Como o denunciado se opôs à execução de
ato legal, e que violência ou ameaça praticou contra outros funcionários
(resistência, art. 329)? E de que maneira descumpriu ordem legal
(desobediência, art. 330)?
É
imprescindível que se formule a denúncia de maneira expressa com o básico de
individualização das condutas, para que o denunciado possa dela se defender,
sob pena de violação dos princípios constitucionais do
contraditório, da ampla defesa e da dignidade da pessoa humana, conforme
decidido pelo STF.
Por
essas razões, requer o não recebimento da denúncia por sua indiscutível
inépcia.
DA INEXISTÊNCIA DO CRIME DE
DESOBEDIÊNCIA DE ORDEM JUDICIAL (atipicidade do crime)
Dentre os crimes imputados ao denunciado
inclui-se o crime de desobediência, previsto no art. 330 do Código Penal.
No
entanto, não houve a prática - mesmo em tese - do crime de desobediência por
parte dos pacientes, uma vez que o ato assim presumido pela denúncia, ou seja,
de permanecerem no prédio em afronta a determinação judicial, estava passivo de
aplicação de outras penalidades, aliás, estabelecidas na própria decisão
judicial emanada pelo Tribunal de Justiça, nos autos do processo nº
0006719-12.2015.814.0000.
Dessa forma, se havia previsão de sanção civil e administrativa, não há que se falar
em configuração de crime de desobediência.
Nesse sentido, de acordo com decisão do
eminente ministro Napoleão Nunes Maia
Filho, do Superior Tribunal de Justiça, “para
a configuração do delito de desobediência de ordem judicial é indispensável que
inexista a previsão de sanção de natureza civil, processual civil ou administrativa,
salvo quando a norma admitir expressamente a referida cumulação” (HC
92655/ES).
O denunciado não praticou qualquer ato
de desobediência, fato que torna sua conduta não-constitutiva de crime em tese, apresentando-se atípica diante da descrição do crime do art. 330 do CPB, redundando no seu não recebimento da denúncia, o que
se requer.
MÉRITO
Caso não sejam acatados os argumentos
acima expostos, os quais culminam com o não recebimento desta denúncia e
arquivamento do processo, ao denunciado, atacado pelo cerceamento de defesa,
cabe se defender de maneira genérica sobre os crimes que lhe acusam, negando as
suas práticas.
O denunciado não cometeu o crime de dano, pois não
inutilizou ou deteriorou qualquer bem do CIG. Em momento algum privou alguém de
sua liberdade mediante cárcere privado, jamais faria isso com servidores
públicos que pertencem à mesma categoria e são também vítimas da política do
Governo Estadual. Além disso, havia no CIG mais de cem policiais militares
fortemente armados, que impediriam a prática de qualquer suposto crime,
inclusive de cárcere privado.
No mesmo
sentido, o denunciado não cometeu o crime de resistência, tanto que consta da
própria peça de denúncia que os oficiais de justiças “afirmaram que não
foram recebidos com violência, nem se sentiram ameaçados” (fl. 06). E, como
acima exposto, o denunciado não praticou o crime de desobediência.
Por ressalva, se crimes houve
ocorreram sem qualquer dolo por parte do denunciado.
PEDIDO
Felizmente, setores do Ministério Público Estadual, da Policia
Civil e do próprio Poder Judiciário têm demonstrado, com atitudes concretas,
respeito aos movimentos sociais, deixando de tratar seus integrantes como se
estes fossem simples criminosos.
Portanto, Excelência, não estamos diante de arruaceiros, vândalos
e criminosos, mas, de educadores que lutam por seus direitos elementares, que
dignificam a profissão e procuram levar a educação pública com qualidade à
milhares de crianças e adolescentes. Não merecendo a humilhação concretizada
neste Processo.
Diante do que foi acima exposto, requer:
O arquivamento do processo sem julgamento do mérito, por sua
inépcia e/ou justa causa, ou determine o retorno dos autos do processo ao MPE
para que proceda a necessária individualização de condutas. Ou a absolvição
sumária do denunciado, uma vez que o os fatos narrados não constituem prática
dos crimes que lhes está sendo imputados, bem como pela atipicidade dos crimes.
Ou que seja julgado também inocente, no mérito, por inexistência da prática dos
crimes.
Ou, caso condenado – o que não se acredita – que seja
substituído por penas restritivas de direito, uma vez que o denunciado preenche
os requisitos dispostos no artigo 44 e incisos do CPB.
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* As defesas foram apresentadas em nome dos professores ABELCIO
NAZARENO SANTOS RIBEIRO, ALBERTO
FERREIRA DE ANDRADE JÚNIOR, JOSÉ MATEUS ROCHA DA COSTA FERREIRA, EDILON SANTOS COELHO. Ainda faltam defesas de SILVIA LEÍCIA, ROSA OLÍVIA e WILLIAMS SILVA.
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