Walmir Brelaz
Advogado do Sintepp
Neste ano
de 2016 o Sistema de Organização Modular de Ensino – SOME, completa 36 anos de
existência no Pará. Tempo o bastante para descaracterizá-lo como uma política educacional
temporária.
Trinta e
quatro anos após sua criação é que se publicou a primeira lei, propriamente
dita. Trata-se da Lei nº 7.806, de 29 de abril de 2014, que “dispõe sobre a
regulamentação e o funcionamento do Sistema de Organização Modular de Ensino -
SOME, no âmbito da Secretaria de Estado de Educação – SEDUC”, aqui denominada
de Lei do Some.
E tomando-a como referência é que será
abordado o contexto normativo do Some, de instrumentos formais existentes antes
e depois de tal Lei. Evidentemente passivo de eventuais complementações.
O artigo 1º é claro ao estabelecer que
a lei objetiva regulamentar o Some, caracterizando-o como “Política Pública
Educacional do Estado”, estabelecendo normas gerais para sua adequada estrutura
e funcionamento.
Portanto, a Lei do Some inicialmente
se mostra relevante por fazer constar os seus objetivos e finalidades, os
requisitos para sua implantação nos municípios, sua carga horária anual, a
jornada de trabalho dos professores, a organização pedagógica e administrativa
e trata também do Ensino Modular Indígena.
A importância dessa lei, para o bem ou
para o mal, é que vincula todos aos seus dispositivos. Do governador ao
professor. Isso em respeito ao princípio da legalidade, resumido na proposição suporta a lei que fizeste, significa estar a Administração Pública, em toda a sua
atividade, presa aos fundamentos da lei, deles não podendo afastar, sob pena de
invalidade do ato e responsabilidade de seu autor (GASPARINI, 1998).
Antes da Lei, o Some era
regido por instrumentos normativos frágeis, inclusive por meio de resoluções emitidas
pelo Conselho Estadual de Educação - Resolução nº 161/1982 e Resolução nº
135, de 18/04/1991 – e pela Seduc, como a Resolução nº 116/1993, que autorizava
o pagamento de ajuda de custo ao pessoal do magistério que desenvolve atividade
no Some; e Portaria nº 122/97 – GS, que instituiu as normas que tratam das
responsabilidades e obrigações do professor.
Em 2010, foi inserido no
Projeto de Lei nº 086/2010, que tratava
do plano de cargos, carreira e remuneração do
magistério público do Pará,[1] através de emenda parlamentar sugerida pelo Sindicato dos
Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Pará -Sintepp, a gratificação some,[2] com a seguinte redação:
Art.
30. O servidor que exercer suas atividades no Sistema de Organização Modular de
Ensino – SOME, fará jus a gratificação no valor correspondente a 100% (cem por
cento) sobre o vencimento base acrescido da gratificação de escolaridade,
repercutindo sobre a parcela salarial referente a férias e ao décimo terceiro
salário.
Parágrafo único. Lei específica do
Poder Executivo estabelecerá sobre o Sistema de Organização Modular de Ensino
Val ressaltar que no projeto de lei
do PCCR encaminhado pelo governo estadual não havia sequer uma palavra sobre
sistema modular, que ficaria novamente à margem da lei.
Foi, sim, através de movimento dos
servidores do Some, com o Sintepp e por meio de emendas parlamentares, que se
conseguiu tornar em lei o sistema modular de ensino no Pará. Fazendo constar
inicialmente a gratificação. As demais propostas a serem incorporadas na lei
não foram acatadas, garantindo-se, entretanto, que as seriam em outra lei
específica, a qual deveria ser encaminhada ao Poder Legislativo até o final de
2010.
O ano de 2010 se encerrou e o Pará
mudou de governo, mas nada da Lei do Some. O que houve foi a mudança do artigo
do PCCR que versava sobre a gratificação, que através da Lei nº 7.643, de 12 de julho de 2012, passou
a ser o valor correspondente a 180% sobre o vencimento-base,
repercutindo sobre a parcela salarial referente a férias e ao décimo terceiro
salário. Mudou-se apenas a base de cálculo, que antes era de 100% sobre o vencimento base acrescido da gratificação de
escolaridade, considerando que neste caso ocorria o chamado “efeito cascata”, que
se constitui na acumulação de uma vantagem sobre outra.
O
Sintepp pretendia que a gratificação repercutisse nos proventos dos professores
ao se aposentarem, bem como nas licenças adquiridas, principalmente a de saúde.
No entanto, o governo se posicionou firmemente ao contrário.
Apesar
disso, a gratificação Some mantém seu lado positivo, haja vista, que anteriormente
se apresentava legalmente inconsistente. Primeiro, com a denominação de “ajuda
de custo”, em seguida de “complementação some”. Nesse tempo as manifestações
dos professores pelo recebimento da vantagem eram frequentes no momento das
férias e 13º salário, quando não raras vezes negadas pelo Estado.
Na greve de 53 dias realizada pela
categoria dos servidores da educação estadual em 2013, a efetivação da Lei do
Some se constituía em uma de suas principais reivindicações. E mais uma vez o
governo se comprometeu em encaminhá-la ao Legislativo, conforme consignado no
acordo firmado com o Sintepp, devidamente protocolado nos autos da ação
judicial movida pelo próprio Estado,[3]
e homologado pelo Poder Judiciário, nos termos seguintes:
CLÁUSULA 1ª: Das obrigações do Estado do Pará:
.....
2 – O Estado do Pará obriga-se a remeter,
até o final da presente sessão legislativa, projeto de lei à Assembleia
Legislativa para fins de regulamentação do Sistema de Organização Modular de
Ensino (SOME), devendo ser resguardados os seguintes preceitos:
2.1.
Os professores que atuam no SOME serão lotados com jornada
integral de 40 horas semanais;
2.2.
Os professores lotados no SOME poderão complementar a carga
horária de sala de aula com projetos educacionais para atingir a jornada de 40
horas semanais;
2.3.
Garantir a formação de turmas sem a definição de um número
mínimo de alunos matriculado por turma.
A sessão legislativa se encerrou e,
mais uma vez, o governo não encaminhou o projeto da Lei do Some. A assessoria
jurídica do Sintepp ingressou com execução do acordo e, finalmente, no início
de 2014 foi protocolado na Assembleia Legislativa o Projeto de Lei
Nº 02/1014, que se tornou na Lei nº
7.806/2014.
Da Lei do Some, se destaca a sua finalidade, que é
o de garantir aos alunos acesso à educação
básica e isonomia nos direitos, assegurando a ampliação do nível de
escolaridade e a permanência dos alunos em suas comunidades, observando as
peculiaridades e diversidades encontradas no campo, águas, florestas e aldeias
do Estado do Pará (art.
2º), sendo direcionado à expansão das
oportunidades educacionais em nível de ensino fundamental e médio para a
população escolar do interior do Estado, onde não existir o ensino regular, de
modo complementar ao ensino municipal (§ único do art. 2º).
Estabelece
com detalhes os seus objetivos (art. 4º), que se resumem em assegurar o direito
a escola pública gratuita e de qualidade às pessoas que dela necessitam,
respeitando as peculiaridades e os valores intrínsecos de cada comunidade. E que o Ensino Modular deverá ser implantado
nos municípios quando (art. 5º): não
existir escola pública estadual que oferte os anos finais do ensino fundamental
ou ensino médio; existir escola pública municipal de ensino fundamental com
espaço físico disponível e capacidade de expansão; existir comprovada demanda
nas localidades do município, quando não existir escolas estaduais, para
criação de turmas com, no máximo, quarenta alunos; houver comprovada
necessidade e solicitação da comunidade
a ser beneficiada, que será analisada pela URE e convalidada pela Coordenação
Estadual do SOME.
Prevê
que o Some terá carga horária anual mínima de 800 horas, distribuídas em pelo
menos 200 dias letivos de efetivo trabalho escolar (art. 6º), composto de 04 módulos desenvolvidos em, no
mínimo, 50 dias, para o desenvolvimento do conteúdo programático e aplicação
de, no mínimo, duas avaliações em cada disciplina, excetuando-se o mês de julho
e o período de recesso escolar definido no calendário escolar da Seduc.
A
Lei garante a jornada de 40 horas semanais aos professores (art. 8º), incluindo
nestas as disciplinas ofertadas como dependência e reposição comporão a carga
horária docente anual para cumprimento da jornada. E podem complementar a carga
horária de sala de aula com projetos educacionais na sua área de atuação, de
modo a atingir a jornada de 40 horas semanais, quando a oferta de turmas não
for suficiente para atingir o limite da carga horária em regência de classe da
respectiva jornada.
E
após tratar da organização pedagógica e administrativa do SOME, envolvendo
supervisores pedagógicos e especialistas em educação (art. 9º), a Lei aborda o Ensino
Modular Indígena a ser desenvolvido em aldeias indígenas (art. 11).
A
Lei faculta – e não impõe – à Seduc a celebrar convênio de cooperação técnica
com os municípios, visando desenvolver o sistema modular (art. 17). E a obriga¸
em parceria com os municípios, a providenciar moradia em condições adequadas,
para uso exclusivo dos professores (art. 19), e assim deve ser exigido do
Estado, com quem os servidores mantém relação jurídica. Cabendo-lhes, também de
forma solidária, garantir aos alunos transporte e alimentação escolar, bem como
a distribuição de livros didáticos (art. 20).
A
Lei não inseriu em seu texto a gratificação some, o que seria mais recomendado, inclusive para
aperfeiçoá-la, todavia, não retirou sua validade.
Como
se observa, a partir de 2010 o Some obteve significativos avanços no contexto
normativo. Todavia, há importantes questões a serem formalizadas, como a
repercussão da gratificação nas licenças adquiridas pelos servidores e em suas
aposentadorias. Garantir, ainda, o mínimo de segurança aos professores no
sistema modular. E, especialmente,
assegurar a própria permanência abrangente do Some, agora ameaçada pelos projetos
Mundiar e Plataforma SEI - Sistema Educacional
Interativo, que no âmbito da Seduc estão em plena efervescências.
I – Sistema de Organização Modular de Ensino, a ser encaminhado
ao Poder Legislativo até o final do ano de 2010;
[2] O PL 086/2010,
aprovado, se transformou na Lei nº
7.442/2010 – PCCR dos profissionais do magistério do Pará. E não constava no
seu texto original a gratificação Some.
[3] Processo nº 2013.3.028622-5 - Ação Cominatória de obrigação de Fazer e
Não-Fazer. TJE-PA, Relator: Des. Ricardo Ferreira Nunes.
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