O ano de 2015 ficou marcado como
o ano em que o Estado do Pará, por meio do Governo Jatene, decidiu impor uma
nova metodologia de jornada de trabalho dos professores da rede pública estadual,
com a ruptura imediata do sistema que há décadas era praticada no âmbito da
Seduc, envolvendo as aulas suplementares.[1]
O então secretário de educação
Helenilson Pontes, amparado em apoio integral do governador Simão Jatene,
anunciou a retirada das aulas suplementares da composição da jornada de
trabalho dos docentes, as quais seriam ofertadas, segundo ele, conforme
necessidade de cada caso concreto.
Essa medida radical provocou
reação da categoria, pois, além de outros fatores – adiante demonstrados – ignorava
o direito que os professores possuíam sobre tais aulas suplementares, e que se
tornaria um instrumento, inclusive, de poder político nas mãos do governo. Ato
que se constituiu em um dos principais motivos da greve que se deflagrou em
2015.[2]
Diante da inesperada reação, a
Seduc passou a “flexibilizar” sua proposta. Primeiro, em audiência de
conciliação no Tribunal de Justiça do Pará, chegando a “oferecer” até sessenta aulas suplementares. Proposta recusada pelo Sindicato dos Trabalhadores em
Educação Pública do Estado do Pará - Sintepp.
Em seguida, a Seduc se rendeu –
em sua opinião – e passou a ofertar até 70 aulas suplementares, que acrescida
de 20% de horas atividades totalizariam 84, o limite máximo previsto na Lei nº
8.030, de 21 de julho de 2014, que “dispõe sobre a jornada de
trabalho e as aulas suplementares”.[3]
Ainda assim, o ato do governo causaria – e ainda causa – prejuízo a
milhares de professores que ministravam aulas suplementares acima do limite determinado
pelo governo.
De imediato, a assessoriajurídica do Sintepp ingressou com ação judicial em nome de um professor dematemática lotado na Seduc desde 1982, e que já estava em processo de
aposentadoria. E como a grande maioria dos docentes, tal professor ministrava
também aulas suplementares,
além de sua jornada normal.
Na ação do Sintepp, mostrou-se
que as aulas suplementares existem desde a década de oitenta. Prevista no
Estatuto do Magistério (Lei nº 5.351/1986, art. 31), passando pelo PCCR
(Lei nº 7.442/2010) e “regulamentada” através da Lei nº 8.030/2014. E
dessa forma, fazem parte do vencimento-base do professor, já que incidem
as demais vantagens, como gratificações de magistério, de escolaridade, de titularidade
e o adicional por tempo de serviço, inclusive sobre os proventos de
aposentadoria, conforme prevê a Lei nº 8.030/2014. E, portanto, não
podem ser reduzidas subitamente sob pena de violar o princípio da
irredutibilidade de vencimentos.
No dia 06 de outubro de 2015, o juiz da Vara da Fazenda Pública, Elder Lisboa Ferreira da Costa, resolveu deferiro pedido de tutela antecipada, determinando ao Estado do Pará que mantivesse a
quantidade de aulas suplementares na jornada de trabalho do professor, retirada
pelo Estado do Pará, para que estas sejam incorporadas ao seu vencimento-base
e, posteriormente, aos seus proventos de aposentadoria.
O magistrado concluiu que “de acordo com a Constituição Federal, no que
diz respeito ao direito adquirido e a irredutibilidade dos vencimentos (art.
5º, XXXVI e art. 37, XV, CF), bem como a legislação do Estado do Pará, quanto à
hipótese de redução gradativa das aulas suplementares (artigo 9º da Lei
8.030/2014) e ainda, a sua incidência sobre vantagens e proventos de
aposentadoria (artigo 6º, § 4º, Lei 8.030/2014), entendo preenchidos os
requisitos autorizadores da tutela antecipada, para reconhecer o direito do
autor da presente ação”.
Na
sequência, a Ajur-Sintepp ingressou com outras ações judiciais. E no dia 11 de
janeiro deste ano de 2016, o mesmo juiz, Elder Lisboa, deferiu novamente a
tutela antecipada, determinando “ao Estado do Pará que mantenha a quantidade de 108 (cento e
oito) aulas suplementares na jornada de trabalho do Autor, para que estas sejam
incorporadas ao seu vencimento-base e, posteriormente, aos seus proventos, tudo
nos termos da fundamentação alhures, sob pena de imposição de multa diária no
valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais), no caso de descumprimento, a reverter em
favor do Autor”.
Em outro processo, no
entanto, o juiz Sílvio César dos Santos Maria, no dia 21 de janeiro de 2016, declarou
a incompetência absoluta do Juízo de Fazenda Pública para processamento da
presente ação, declinando em favor da Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública
da Comarca de Belém.
Este último caso, pode
ser encarado apenas como inconveniente processual, uma vez que basta ingressar
novamente no juizado especial ou estabelecer o valor da causa acima de oitenta
salários mínimos para atrair a competência da Vara da Fazenda.
Por outro lado, e isso deve ser considerado preocupante,
o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE),
Odilon Inácio Teixeira, em 07/08/2015, ao analisar processo de aposentadoria de
uma professora, ressaltou que “a simples situação das horas suplementares terem
sido concedidas quando da atividade do servidor não impossibilita sua retirada,
em parte, quando na atividade”. Acrescentado que “a manutenção integral poderia
ocasionar grave instabilidade na manutenção do regime próprio de previdência,
comprometendo seu equilíbrio financeiro e atuarial”. E recomenda “`a SEDUC que seja seguido o limite legal de horas suplementares, tendo em vista o princípio da eficiência e manutenção do equilíbrio
financeiro atuarial”. Sobre este caso, o Sintepp já solicitou urgente audiência
como o presidente do TCE, “para expor histórica e juridicamente questões envolvendo
aulas suplementares”, e antes que o Tribunal de Contas tome decisão colegiada
sobre o tema.
O Estado/Seduc tem se
empenhado na missão de tornar as aulas suplementares eventuais e precárias, a
fim de atribuí-las e retirá-las nos moldes de sua conveniência, o que pode ser
observado com atos contidos de manifestações objetivas ou subjetivas.
O “TERMO DE VERACIDADE E RESPONSABILIDADE” encaminhado
às escolas a ser assinado pelo professor como concordância da jornada de
trabalho a ser exercida no ano letivo de 2016 é um exemplo evidente disso, já
que o docente deveria declarar estar “ciente da opção de lotação no encargo de Aula Suplementar Complementação cujo
caráter é eventual”. E que exerce (se for o caso) Aulas Suplementares
Substituição (prolabore) em determinadas turmas. Declarando, ainda, não exercer
aulas suplementares, se assim ocorrer. Ou seja, como alertou a Ajur/Sintepp, se
trataria de uma renúncia expressa de direito.
Sabe-se que a Seduc solicitou
ao Igeprev a devolução de todos os processos referentes a aposentadorias de
professores, objetivando rever a incorporação das aulas suplementares em seus
futuros proventos. E em ações como a
proposta de regulamentação das horas atividades também estão embutidas, quer
queria ou não, modificações na forma de se ministrar as aulas suplementares.
O Sintepp, inclusive por
meio da assessoria jurídica, tem reagido através de atitudes concretas para se
contrapor aos atos da Seduc, todavia, entendemos que a categoria, de modo geral,
deve tomar consciência desse momento crucial em que o Estado pretende retirar,
total ou parcialmente, as aulas suplementares sem qualquer repercussão de
incorporação na remuneração ou proventos dos docentes.
A jornada de trabalho
dos professores, com aulas suplementares, existe há mais de trinta anos e não
pode ser modificada em dias. Não se desconstitui um paradigma com leis ou
decretos.
Walmir Brelaz
Advogado do Sintepp
[1] O art. 5º da Lei nº 8.030/2014,
assim conceitua as aulas suplementares: “As aulas suplementares correspondem à
extrapolação da jornada de trabalho, por necessidade de serviço, para atender exclusivamente
a regência de classe na educação básica nas escolas da rede pública estadual de
ensino”.
[2] A greve dos servidores
da educação ocorreu no período de 26/03 a 3/06 de 2016.
[3] A redução
da a quantidade de aulas suplementares dos professores para limite de até 84,
ocorreu através da Portaria GS/SEDUC nº 206, de 24/04/2015.
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