sexta-feira, 24 de agosto de 2012

José, para onde?


Na primeira segunda-feira do mês de abril deste ano, José, que no dia 26 de agosto completa 29 anos de idade, entrou desesperado em um ônibus, perseguido por dois policiais. E gritando enlouquecidamente se escondeu na última cadeira, até não mais ser percebido por eles.

Poucos minutos se passaram e José, avistando pela janela os mesmos policiais, recomeçou a gritar. Tanto, que o motorista parou na porta de uma delegacia, sendo ele dali arrancado por investigadores, os quais, pouco depois, percebendo não se tratar de um criminoso o desamarraram e o libertaram.

Em liberdade, José observou o intenso trânsito, abriu um discreto sorriso e invadiu a Avenida Almirante Barroso, indiferente.

“José” foi o nome atribuído ao então adolescente WSS pela Anistia Internacional de Londres, em 2000, quando esta entidade resolveu considerar seu caso - entre os dez de todo o mundo - como exemplo abominável de prática de tortura, lançando dossiê sobre os casos mundiais no estado de São Paulo, no ano seguinte.

No dia 07 de julho de 1999, José, então com 15 anos, estava dirigindo uma pequena motocicleta pelas ruas do Município de Xinguara, Sul do Pará, quando ouviu a ordem de parar dada por dois policiais. Pretendeu parar, no entanto, tinha consciência da pouca chance de convencer alguém com suas justificativas. Portando uma pequena quantidade de maconha, seria pouco possível. “Melhor seguir fugindo” – decidiu ele, crendo ser sua única alternativa.

Perseguido, em pouco tempo José foi capturado. E antes de ser conduzido à delegacia, os policiais o levaram a um lugar distante da cidade chamado Prainha. Lá foi jogado ao chão, algemado com as mãos para trás e torturado. Os policiais o batiam a esmo: chutes, socos, na cabeça e esta no carro, bateram em toda parte do corpo. E exigiam saber os nomes dos traficantes da cidade, eram eles que realmente interessavam.

Já passava da meia noite, na delegacia foi jogado numa sela no meio de vários e perigosos criminosos, sendo novamente espancado nos três dias seguintes. Até ser encontrado pela mãe, Irani Santos, e seu advogado.

Os policiais só não contavam que naquela mesma cidade trabalhava um velho advogado que também era frei: Guy Emile. Um homem como poucos homens ainda há.

Frei Emile denunciou o caso ao Ministério Público – Estadual e Federal –, à Secretaria de Segurança Pública, à Presidência da República e a Anistia Internacional sediada em Londres. O teor não se diferenciava, praticamente o mesmo com pequenas adequações. A Presidência da República pediu providências às autoridades estaduais e a Anistia Internacional deliberou pela visita de uma equipe sua à Xinguara.

Instaurou-se inquérito policial por ordem do secretário de segurança do estado. E em pouco tempo o delegado que o presidia resolveu não indiciar os policiais pela prática do crime que lhes estava sendo imputado. Outra conclusão não poderia ser tomada, eram mais de dez depoimentos coincidentes a favor dos investigadores, contra apenas um, de José.

A conclusão do inquérito, no entanto, foi contestada pelo advogado: o delegado que o presidiu, com os próprios investigadores acusados, estavam respondendo processo pela prática de tortura contra um adolescente preso em outra cidade próxima de Xinguara, que veio, em seguida, a falecer.

O Ministério Público Estadual e a Corregedoria de Polícia investigaram e decidiram anular o inquérito grosseiramente fraudado. Os policiais foram devidamente penalizados.

Por outro lado, José continuou a ser perseguido pelos investigadores que o torturaram. Algumas vezes de forma real; outras – a maioria – fruto de suas alucinações psicológicas.

Por muitos anos José foi caçado por seus torturadores. E deles sempre fugia. Literalmente, correu por horas e horas sem sentido; passou por vários lugares sinistros em fuga alucinada, perambulou por ruas e cidades sem noção de si, sempre resgatado por sua mãe. Por ordem da Justiça, o Estado foi obrigado a lhe fornecer assistência médica. E assim, também passou por diversas clínicas psiquiátricas.

Diagnosticou-se em José uma doença mental incurável que o faz reviver, a qualquer tempo, o momento e forma de como foi torturado. Isso, até hoje, 13 anos depois.

Então, José vive assim, marchando, como num dilema Kafkiano retratado por Drummond: “sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José! José, pra onde?”

Agosto de 2012

Walmir Brelaz - advogado




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