segunda-feira, 7 de março de 2016

SOME. Uma abordagem normativa (I)

                                                                                                       Walmir Brelaz
                                                                                                                              Advogado do Sintepp

Neste ano de 2016 o Sistema de Organização Modular de Ensino – SOME, completa 36 anos de existência no Pará. Tempo o bastante para descaracterizá-lo como uma política educacional temporária.
Trinta e quatro anos após sua criação é que se publicou a primeira lei, propriamente dita. Trata-se da Lei nº 7.806, de 29 de abril de 2014, que “dispõe sobre a regulamentação e o funcionamento do Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME, no âmbito da Secretaria de Estado de Educação – SEDUC”, aqui denominada de Lei do Some.


                                 

E tomando-a como referência é que será abordado o contexto normativo do Some, de instrumentos formais existentes antes e depois de tal Lei. Evidentemente passivo de eventuais complementações.
O artigo 1º é claro ao estabelecer que a lei objetiva regulamentar o Some, caracterizando-o como “Política Pública Educacional do Estado”, estabelecendo normas gerais para sua adequada estrutura e funcionamento.
Portanto, a Lei do Some inicialmente se mostra relevante por fazer constar os seus objetivos e finalidades, os requisitos para sua implantação nos municípios, sua carga horária anual, a jornada de trabalho dos professores, a organização pedagógica e administrativa e trata também do Ensino Modular Indígena.
A importância dessa lei, para o bem ou para o mal, é que vincula todos aos seus dispositivos. Do governador ao professor. Isso em respeito ao princípio da legalidade, resumido na proposição suporta a lei que fizeste, significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos fundamentos da lei, deles não podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor (GASPARINI, 1998).
Antes da Lei, o Some era regido por instrumentos normativos frágeis, inclusive por meio de resoluções emitidas pelo Conselho Estadual de Educação - Resolução nº 161/1982 e Resolução nº 135, de 18/04/1991 – e pela Seduc, como a Resolução nº 116/1993, que autorizava o pagamento de ajuda de custo ao pessoal do magistério que desenvolve atividade no Some; e Portaria nº 122/97 – GS, que instituiu as normas que tratam das responsabilidades e obrigações do professor.
Em 2010, foi inserido no Projeto de Lei nº 086/2010, que tratava do plano de cargos, carreira e remuneração do magistério público do Pará,[1] através de emenda parlamentar sugerida pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Pará -Sintepp, a gratificação some,[2] com a seguinte redação:

Art. 30. O servidor que exercer suas atividades no Sistema de Organização Modular de Ensino – SOME, fará jus a gratificação no valor correspondente a 100% (cem por cento) sobre o vencimento base acrescido da gratificação de escolaridade, repercutindo sobre a parcela salarial referente a férias e ao décimo terceiro salário.

Parágrafo único. Lei específica do Poder Executivo estabelecerá sobre o Sistema de Organização Modular de Ensino

Val ressaltar que no projeto de lei do PCCR encaminhado pelo governo estadual não havia sequer uma palavra sobre sistema modular, que ficaria novamente à margem da lei.
Foi, sim, através de movimento dos servidores do Some, com o Sintepp e por meio de emendas parlamentares, que se conseguiu tornar em lei o sistema modular de ensino no Pará. Fazendo constar inicialmente a gratificação. As demais propostas a serem incorporadas na lei não foram acatadas, garantindo-se, entretanto, que as seriam em outra lei específica, a qual deveria ser encaminhada ao Poder Legislativo até o final de 2010.     
O ano de 2010 se encerrou e o Pará mudou de governo, mas nada da Lei do Some. O que houve foi a mudança do artigo do PCCR que versava sobre a gratificação, que através da Lei nº 7.643, de 12 de julho de 2012, passou a ser o valor correspondente a 180% sobre o vencimento-base, repercutindo sobre a parcela salarial referente a férias e ao décimo terceiro salário. Mudou-se apenas a base de cálculo, que antes era de 100% sobre o vencimento base acrescido da gratificação de escolaridade, considerando que neste caso ocorria o chamado “efeito cascata”, que se constitui na acumulação de uma vantagem sobre outra.
O Sintepp pretendia que a gratificação repercutisse nos proventos dos professores ao se aposentarem, bem como nas licenças adquiridas, principalmente a de saúde. No entanto, o governo se posicionou firmemente ao contrário.
Apesar disso, a gratificação Some mantém seu lado positivo, haja vista, que anteriormente se apresentava legalmente inconsistente. Primeiro, com a denominação de “ajuda de custo”, em seguida de “complementação some”. Nesse tempo as manifestações dos professores pelo recebimento da vantagem eram frequentes no momento das férias e 13º salário, quando não raras vezes negadas pelo Estado.
Na greve de 53 dias realizada pela categoria dos servidores da educação estadual em 2013, a efetivação da Lei do Some se constituía em uma de suas principais reivindicações. E mais uma vez o governo se comprometeu em encaminhá-la ao Legislativo, conforme consignado no acordo firmado com o Sintepp, devidamente protocolado nos autos da ação judicial movida pelo próprio Estado,[3] e homologado pelo Poder Judiciário, nos termos seguintes:
CLÁUSULA 1ª: Das obrigações do Estado do Pará:
.....
2 – O Estado do Pará obriga-se a remeter, até o final da presente sessão legislativa, projeto de lei à Assembleia Legislativa para fins de regulamentação do Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME), devendo ser resguardados os seguintes preceitos:
2.1.      Os professores que atuam no SOME serão lotados com jornada integral de 40 horas semanais;
2.2.      Os professores lotados no SOME poderão complementar a carga horária de sala de aula com projetos educacionais para atingir a jornada de 40 horas semanais;
2.3.      Garantir a formação de turmas sem a definição de um número mínimo de alunos matriculado por turma.
A sessão legislativa se encerrou e, mais uma vez, o governo não encaminhou o projeto da Lei do Some. A assessoria jurídica do Sintepp ingressou com execução do acordo e, finalmente, no início de 2014 foi protocolado na Assembleia Legislativa o Projeto de Lei Nº 02/1014, que se tornou na Lei nº 7.806/2014.
Da Lei do Some, se destaca a sua finalidade, que é o de garantir aos alunos acesso à educação básica e isonomia nos direitos, assegurando a ampliação do nível de escolaridade e a permanência dos alunos em suas comunidades, observando as peculiaridades e diversidades encontradas no campo, águas, florestas e aldeias do Estado do Pará (art. 2º), sendo direcionado à expansão das oportunidades educacionais em nível de ensino fundamental e médio para a população escolar do interior do Estado, onde não existir o ensino regular, de modo complementar ao ensino municipal (§ único do art. 2º).
Estabelece com detalhes os seus objetivos (art. 4º), que se resumem em assegurar o direito a escola pública gratuita e de qualidade às pessoas que dela necessitam, respeitando as peculiaridades e os valores intrínsecos de cada comunidade.  E que o Ensino Modular deverá ser implantado nos municípios quando (art. 5º): não existir escola pública estadual que oferte os anos finais do ensino fundamental ou ensino médio; existir escola pública municipal de ensino fundamental com espaço físico disponível e capacidade de expansão; existir comprovada demanda nas localidades do município, quando não existir escolas estaduais, para criação de turmas com, no máximo, quarenta alunos; houver comprovada necessidade e solicitação da  comunidade a ser beneficiada, que será analisada pela URE e convalidada pela Coordenação Estadual do SOME.
Prevê que o Some terá carga horária anual mínima de 800 horas, distribuídas em pelo menos 200 dias letivos de efetivo trabalho escolar (art. 6º), composto de 04 módulos desenvolvidos em, no mínimo, 50 dias, para o desenvolvimento do conteúdo programático e aplicação de, no mínimo, duas avaliações em cada disciplina, excetuando-se o mês de julho e o período de recesso escolar definido no calendário escolar da Seduc.
A Lei garante a jornada de 40 horas semanais aos professores (art. 8º), incluindo nestas as disciplinas ofertadas como dependência e reposição comporão a carga horária docente anual para cumprimento da jornada. E podem complementar a carga horária de sala de aula com projetos educacionais na sua área de atuação, de modo a atingir a jornada de 40 horas semanais, quando a oferta de turmas não for suficiente para atingir o limite da carga horária em regência de classe da respectiva jornada.
E após tratar da organização pedagógica e administrativa do SOME, envolvendo supervisores pedagógicos e especialistas em educação (art. 9º), a Lei aborda o Ensino Modular Indígena a ser desenvolvido em aldeias indígenas (art. 11).
A Lei faculta – e não impõe – à Seduc a celebrar convênio de cooperação técnica com os municípios, visando desenvolver o sistema modular (art. 17). E a obriga¸ em parceria com os municípios, a providenciar moradia em condições adequadas, para uso exclusivo dos professores (art. 19), e assim deve ser exigido do Estado, com quem os servidores mantém relação jurídica. Cabendo-lhes, também de forma solidária, garantir aos alunos transporte e alimentação escolar, bem como a distribuição de livros didáticos (art. 20).
A Lei não inseriu em seu texto a gratificação some, o que seria mais recomendado, inclusive para aperfeiçoá-la, todavia, não retirou sua validade.
Como se observa, a partir de 2010 o Some obteve significativos avanços no contexto normativo. Todavia, há importantes questões a serem formalizadas, como a repercussão da gratificação nas licenças adquiridas pelos servidores e em suas aposentadorias. Garantir, ainda, o mínimo de segurança aos professores no sistema modular. E, especialmente, assegurar a própria permanência abrangente do Some, agora ameaçada pelos projetos Mundiar e  Plataforma SEI - Sistema Educacional Interativo, que no âmbito da Seduc estão em plena efervescências.




[1] Art. 45. Leis específicas do Poder Executivo tratarão dos seguintes assuntos:
I – Sistema de Organização Modular de Ensino, a ser encaminhado ao Poder Legislativo até o final do ano de 2010;
[2] O PL 086/2010, aprovado, se transformou na Lei nº 7.442/2010 – PCCR dos profissionais do magistério do Pará. E não constava no seu texto original a gratificação Some.
[3] Processo nº 2013.3.028622-5 - Ação Cominatória de obrigação de Fazer e Não-Fazer. TJE-PA, Relator: Des. Ricardo Ferreira Nunes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário