segunda-feira, 12 de outubro de 2015

OCUPAÇÃO DO CIG: professores apresentam defesas


A assessoria jurídica do Sintepp protocolou, dia 09/10, defesas em nome de quatro professores* na DENÚNCIA que o Ministério Público do Pará propôs por suposta prática dos crimes previstos no art. 163, parágrafo único, inciso III (dano qualificado), art. 148, caput (cárcere privado), art. 329, caput (resistência) e art. 330, caput (desobediência, art. 330).



SÍNTESE DA DENÚNCIA:

Em sua denúncia, o MPE informa que o Sintepp convocou professores em greve para realizarem “marcha pela educação”. E que ao passarem na frente do prédio do Centro Integrado de Governo (CIG), pertencente ao Governo do Estado, “um grupo de professores grevistas arrombou e danificou o portão e cancela de acesso” desse prédio público.

Que após 24 horas de ocupação, no dia 13/05/2015, os professores receberam de dois oficiais de justiça ordem judicial de reintegração de posse do prédio público, “mas, após deliberação coletiva, negaram-se a obedecê-la e, portanto, mantiveram a ocupação do espaço, que era composto pelo estacionamento e pelo “hall” do prédio, até que fossem recebidos por representante do Governo para retomada das negociações referentes às reivindicações grevistas” (fl. 05). Registrando que a ocupação se encerrou na noite do dia seguinte, 14/05/2015.

E que há no processo laudo de perícias que comprovam o dano sofrido pelo portão e cancela de acesso do prédio do CIG.

E que algumas testemunhas afirmaram que os professores denunciados comandaram a invasão do prédio com violência e gritaria. A participação dos líderes do Sintepp no evento delituoso afirmada pelas testemunhas é corroborada pelas fotografias vistas nas cópias de reportagens sobre o evento. 

Que servidores lotados no CIG foram mantidos dentro do prédio desde a hora da invasão (10:30) até as 12hs, quando foram liberados para sair a pé. A saída dos servidores que estavam de carro só foi autorizada após às 14hs.
Dessa forma, entende o MPE que a materialidade e autoria dos delitos estão demonstradas nos autos do inquérito policial pelos depoimentos das testemunhas, pelo interrogatório dos denunciados, pelo laudo de perícia de levantamento de local de crime contra o patrimônio e pelas cópias de reportagens  juntadas aos autos do inquérito policial.

No dia 15/09/2015 o juiz Altemar da Silva Paes, da 1ª Vara Criminal de Belém, resolveu RECEBER a denúncia “por estarem presentes os pressupostos processuais e as condições para o regular exercício da ação em relação ao(s) crime(s), haja vista preencher os requisitos do art. 41 do CPB, bem como restarem demonstrados os indícios de autoria e materialidade”, determinando a citações dos professores para apresentar defesas.

SÍNTESE DAS DEFESAS:

Ausência da individualização da conduta – cerceamento de defesa

Facilmente pode ser observado com a simples leitura da peça de denúncia que não há, em momento algum, a descrição das condutas individualizadas do denunciado sobre as supostas práticas dos crimes que lhes estão sendo imputados.

Constam apenas imputações de maneira genérica:
- “Um grupo de professores arrombou e danificou o portão e cancela de acesso ...”
- “Após o arrombamento, aos gritos, o grupo invadiu o prédio daquele órgão ...”
- “Após vinte e quatro horas de ocupação ... os professores receberam dos oficiais de justiça ..., mas após decisão coletiva, negaram a obedece-la ...”
- “As testemunhas ouvidas em se policial ... afirmaram que os denunciados comandaram a invasão do prédio com violência e gritaria ...”
- “A participação dos líderes do SINTEPP no evento delituoso afirmadas pelas testemunhas ...”

Após informar que os denunciados negaram a autoria dos crimes, o Ministério Público ‘constatou” que a materialidade e autoria do delito estão demonstradas nos autos do inquérito policial pelo depoimento das testemunhas, pelo interrogatório dos denunciados, pelo laudo de perícia de levantamento de local de crime contra o patrimônio e pelas cópias de reportagens fartamente juntadas aos autos do inquérito policial.
E assim conclui: “encontra-se o denunciado (sic) incurso nas sanções punitivas do art. 163, parágrafo único, inciso III, art, 148, caput, art. 329, caput, e art. 330, caput, todos do Código Penal Brasileiro”.
Sabe-se que a ausência da tipificação da conduta dos denunciados acarreta, indiscutivelmente, a inépcia da Denúncia, por não preencher os requisitos previstos no art. 41 do CPP, que exige “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

Trata-se de entendimento pacificado no âmbito do Poder Judiciário, que ao observar a ausência dos requisitos necessários de uma denúncia, decreta imediatamente a sua inépcia, o que se exemplifica com decisão abaixo transcrita, oriunda do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

OCORRÊNCIA. NARRATIVA INSUFICIENTE DOS FATOS. 2. RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA. OCORRÊNCIA. CONTAS REJEITADAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. IRRELEVÂNCIA. NECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA. 3. ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR A DENÚNCIA.
1. É inepta a denúncia que não descreve o fato delituoso em todas as suas circunstâncias.
(...)
3. Ordem concedida para anular a denúncia. (Sem grifos no original)
(HC 48.700/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 04.10.2007, DJ 25.02.2008 p. 361).

No mesmo sentido tem se manifestado o STF:

OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA. - O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado "reato societario", a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do "due process of law" (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado. Precedentes. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM DENÚNCIA INEPTA.
(...) Denúncia que deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente aos eventos delituosos qualifica-se como denúncia inepta. Precedentes.

Individualização da conduta inclusive em delitos coletivos

Decidiu a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça denegar a ordem nos autos do HC 159.295/RS, considerando que “diante da pluralidade de delitos supostamente praticados por vários agentes, seria tarefa por demais dificultosa, senão impossível, a descrição exaustiva e milimétrica das condutas perpetradas por cada réu, ocasionando intransponível obstáculo à deflagração da ação penal, o que acabaria por culminar não só em impunidade como também em odioso incentivo às práticas criminosas”.
Todavia, essa decisão foi reformada pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do processo de HABEAS CORPUS 113.386 – RS, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, uma vez que:

3. A peça acusatória não observou os requisitos que poderiam oferecer substrato a uma persecução criminal minimamente aceitável. Precário atendimento dos requisitos do art. 41 do CPP. 4. Violação dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da dignidade da pessoa humana. Precedentes. 5. Ordem concedida para que seja trancada a ação penal instaurada contra o paciente.

A questão é que mesmo em delitos cometidos de forma coletiva, que pressupõe a existência de condutas homogêneas, há necessidade de um mínimo de individualização de condutas, o que deve ser analisado em cada caso concreto.

Na presente denúncia, como já citado, não há qualquer menção concreta individualizada sobre as condutas delituosas praticadas pelo          denunciado.

De que forma destruiu, inutilizou ou deteriorou o prédio público (dano qualificado, art. 163)? Como manteve presos outros servidores (sequestro e cárcere privado, art. 148)? Como o denunciado se opôs à execução de ato legal, e que violência ou ameaça praticou contra outros funcionários (resistência, art. 329)? E de que maneira descumpriu ordem legal (desobediência, art. 330)?

É imprescindível que se formule a denúncia de maneira expressa com o básico de individualização das condutas, para que o denunciado possa dela se defender, sob pena de violação dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da dignidade da pessoa humana, conforme decidido pelo STF.

Por essas razões, requer o não recebimento da denúncia por sua indiscutível inépcia.

DA INEXISTÊNCIA DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA DE ORDEM JUDICIAL (atipicidade do crime)

Dentre os crimes imputados ao denunciado inclui-se o crime de desobediência, previsto no art. 330 do Código Penal.
No entanto, não houve a prática - mesmo em tese - do crime de desobediência por parte dos pacientes, uma vez que o ato assim presumido pela denúncia, ou seja, de permanecerem no prédio em afronta a determinação judicial, estava passivo de aplicação de outras penalidades, aliás, estabelecidas na própria decisão judicial emanada pelo Tribunal de Justiça, nos autos do processo nº 0006719-12.2015.814.0000. 

Dessa forma, se havia previsão de sanção civil e administrativa, não há que se falar em configuração de crime de desobediência.

Nesse sentido, de acordo com decisão do eminente ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do Superior Tribunal de Justiça, “para a configuração do delito de desobediência de ordem judicial é indispensável que inexista a previsão de sanção de natureza civil, processual civil ou administrativa, salvo quando a norma admitir expressamente a referida cumulação” (HC 92655/ES).

O denunciado não praticou qualquer ato de desobediência, fato que torna sua conduta não-constitutiva de crime em tese, apresentando-se atípica diante da descrição do crime do art. 330 do CPB, redundando no seu não recebimento da denúncia, o que se requer.

MÉRITO

Caso não sejam acatados os argumentos acima expostos, os quais culminam com o não recebimento desta denúncia e arquivamento do processo, ao denunciado, atacado pelo cerceamento de defesa, cabe se defender de maneira genérica sobre os crimes que lhe acusam, negando as suas práticas.

O denunciado não cometeu o crime de dano, pois não inutilizou ou deteriorou qualquer bem do CIG. Em momento algum privou alguém de sua liberdade mediante cárcere privado, jamais faria isso com servidores públicos que pertencem à mesma categoria e são também vítimas da política do Governo Estadual. Além disso, havia no CIG mais de cem policiais militares fortemente armados, que impediriam a prática de qualquer suposto crime, inclusive de cárcere privado.

No mesmo sentido, o denunciado não cometeu o crime de resistência, tanto que consta da própria peça de denúncia que os oficiais de justiças “afirmaram que não foram recebidos com violência, nem se sentiram ameaçados” (fl. 06). E, como acima exposto, o denunciado não praticou o crime de desobediência.

Por ressalva, se crimes houve ocorreram sem qualquer dolo por parte do denunciado.

PEDIDO

Felizmente, setores do Ministério Público Estadual, da Policia Civil e do próprio Poder Judiciário têm demonstrado, com atitudes concretas, respeito aos movimentos sociais, deixando de tratar seus integrantes como se estes fossem simples criminosos.

Portanto, Excelência, não estamos diante de arruaceiros, vândalos e criminosos, mas, de educadores que lutam por seus direitos elementares, que dignificam a profissão e procuram levar a educação pública com qualidade à milhares de crianças e adolescentes. Não merecendo a humilhação concretizada neste Processo.    

Diante do que foi acima exposto, requer:

O arquivamento do processo sem julgamento do mérito, por sua inépcia e/ou justa causa, ou determine o retorno dos autos do processo ao MPE para que proceda a necessária individualização de condutas. Ou a absolvição sumária do denunciado, uma vez que o os fatos narrados não constituem prática dos crimes que lhes está sendo imputados, bem como pela atipicidade dos crimes. Ou que seja julgado também inocente, no mérito, por inexistência da prática dos crimes.

Ou, caso condenado – o que não se acredita – que seja substituído por penas restritivas de direito, uma vez que o denunciado preenche os requisitos dispostos no artigo 44 e incisos do CPB.

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* As defesas foram apresentadas em nome dos professores ABELCIO NAZARENO SANTOS RIBEIRO, ALBERTO FERREIRA DE ANDRADE JÚNIOR, JOSÉ MATEUS ROCHA DA COSTA FERREIRA, EDILON SANTOS COELHO. Ainda faltam defesas de SILVIA LEÍCIA, ROSA OLÍVIA e WILLIAMS SILVA.




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